FIBRAS VEGETAIS - CESTARIA, EMPALHAMENTOS
Ainda sem folego para produzir novos posts, considerando o projeto que desenvolvi no âmbito das "Envolvências Locais / 2017" integrado na Bienal de Artes Plásticas - Percursos com Arte. Contudo publico aqui os textos de enquandramento da intervenção artística "Entre Pontes", os quais foram adaptados pela minha colega Ana Paiva e que fazem sentido, também, na sequência do post sobre fibras vegetais divulgado em 03/04/2016.
O RIO SORRAIA
O Sorraia é um rio singular. Não nasce. Forma-se. É resultado da junção, perto do Couço, das ribeiras de Sor e da Raia, no sítio chamado de Entre-Águas. Tem aproximadamente 60 quilómetros de extensão e atravessa, de nascente para poente, o concelho de Coruche; desagua na Ponta d’Erva, para lá de Samora Correia, sendo um dos mais importantes afluentes do Tejo.
A Obra de Rega do Vale do Sorraia, concluída em 1959, possibilita o aproveitamento da água armazenada nas barragens de Maranhão e de Montargil e a respetiva distribuição através de estações elevatórias e de canais de rega. Representa a mais importante mudança ao nível da exploração agrícola do vale. As culturas de sequeiro passaram para segundo plano, sendo desde então exploradas as culturas de regadio, onde predomina o milho, o arroz e o tomate.
O RIO NA HISTÓRIA
A utilização do rio como eixo de comunicação privilegiado remonta à Pré-História, sendo de realçar, ao período de ocupação romana, a existência de um povoamento concentrado ao longo do vale. Ao período dos Descobrimentos deverão remontar as jangadas usadas para dirigir a madeira flutuante rio abaixo, até à foz do Tejo, matéria-prima fundamental para a indústria de construção naval. O escoamento dos produtos agrícolas e a circulação de mercadorias fez-se, durante séculos, através do rio Sorraia. No século XVIII a navegabilidade do Sorraia está comprovada durante todo o ano por bateiras até aos rápidos do Furadouro. Já para os finais do século XIX, inícios do XX, é confirmada pela subida das fragatas até ao Couço. Em meados do século XX, devido ao assoreamento, já só era navegável por pequenos barcos de pescadores locais.
Era comum ver as lavadeiras a lavar a roupa na água corrente do rio, esfregando-a com sabão na “trapeça”.
Lavadeiras junto à ponte do caminho de ferro. Coruche, séc. xx (MMC/EM)
Apenas no registo toponímico e documentação antiga subsiste a memória de alguns portos fluviais outrora existentes nas margens do Sorraia: o Porto João Felício, o Porto João Ferreira, a Travessa do Porto Zambado. Ainda o Porto de Évora e o Porto da Palhota eram mencionados em documentos.
PONTES - PASSAGEM ENTRE MARGENS
A fixação e importância da passagem do vale do Sorraia frente a Coruche deveu-se, seguramente, à existência do castelo no alto do monte. Consequentemente, mesmo depois do seu desaparecimento, a vila foi-se munindo de todo o equipamento de passagem (pontes e barca) e de acomodamento para apoio dos viajantes e da realeza.
A par da existência de uma barca de passagem sobre o rio Sorraia, uma ou mais pontes de madeira terão sido construídas pelos habitantes de Coruche, com o apoio dos monarcas. Também com o apoio da coroa foi (re)construída em tijolo, no ano de 1828, a Ponte da Coroa.
A persistência de pontes de madeira e de barca de passagem foram uma constante ainda durante o século XX, seja em Coruche, até à inauguração da ponte General Teófilo da Trindade, seja no Couço, até à construção da ponte de betão, onde a barca de Joaquim Casanova do Couço substituiu, por altura das cheias, a ponte de madeira.
No século XXI, em 2012, o açude-ponte pedonal veio assegurar a ligação entre as duas margens, promovendo uma maior aproximação física e afetiva dos coruchenses ao rio e incentivando a um estilo de vida mais saudável com a criação de uma rede de percursos pedestres. Também melhorou as condições de migração dos peixes, através da incorporação de um dispositivo de passagem.
Ponte da Coroa. Coruche, anos 1960 (MMC/CMC)
Barca de passagem. Couço. séc. XX (MMC/JC)
Presidente Óscar Camona inaugura a ponte Teófilo da Trindade. Coruche, 1930 (MMC/HB)
Açúde - ponte sobre o rio Sorraia. Coruche - 2012 (MMC/TP)
O RIO E AS CHEIAS
As cheias acompanham toda a história de Coruche. Durante largos séculos puseram em causa a passagem do vale, dada a recorrente destruição das pontes, deixando atrás de si áreas pantanosas e braços mortos de rio que importava transpor. No entanto, é inquestionável a sua forte ação benéfica ao nível da fertilidade dos solos, em proveito da prática agrícola.
As barragens de Maranhão (1957) e Montargil (1958), ainda que sendo duas obras de grande importância do ponto de vista agrícola, não vieram anular a questão das cheias em Coruche, ainda que contribuíssem para a sua menor frequência.
Ainda em fevereiro de 1978 uma cheia provocou a inundação de toda a planície e invadiu a parte baixa da vila de Coruche, atingindo a cota de 18,35m. No entanto, estas imagens fazem parte do passado. A grande obra do emissário e dique de proteção à vila, bem como o intercetor de cintura e os novos coletores de águas pluviais, vieram evitar que as cheias invadissem as ruas de Coruche.
Cheias na Rua de Santarém - Coruche. séc XX (MMC/JOS)
FLORA E FAUNA DO RIO
O rio Sorraia, ao longo do seu traçado, é acompanhado por um diversificado ecossistema, que tipifica as características de uma zona ribeirinha. A acompanhá-lo estão amplas áreas agrícolas que interferem significativamente no seu equilíbrio ecológico.
As suas margens foram já dominadas por salgueiros, freixos e choupos. Atualmente resistem exemplares de choupais e salgueirais, acompanhados por tímidas comunidades de caniços e juncais.
O Sorraia é um importante corredor ecológico de fauna, em particular de avifauna. Destaca-se o facto da lontra ainda utilizar este corredor para as suas migrações anuais, que efetua ao longo das linhas de água, deslocando-se para o interior do país, onde se alimenta e reproduz.
Possuindo uma biodiversidade rica e variada, o vale do Sorraia é fértil em espécies de aves, tanto residentes todo o ano como migratórias. Assim, podem-se destacar, entre muitas outras, a cegonha-branca, o peneireiro-cinzento, a tarambola-dourada, o abibe-comum, o abelharuco-comum, a alvéola-branca e a coruja-das-torres. Nas suas margens muitas espécies residentes encontram na vegetação nidificação, onde se pode observar o pato-real, a garça-branca e a garça-real, o rouxinol-pequeno-dos-caniços, a galinha-de-água, o mocho-galego, o guarda-rios, o cartaxo-comum, o pintarroxo-comum ou o trigueirão.
Alvéola-branca (MMC/AP)
Patos-reais (MMC/AP)
Garça-boeira (MMC/AP)
OS PEIXES E A PESCA DO RIO
O leito do rio Sorraia foi fértil em cardumes de fataças, sáveis e lampreia, assim como barbos, bogas, bordalos, enguias, pardelhas, camarão de água doce, pimpões e sarmões. Hoje pode encontrar-se barbo, carpa e tainha-fataça.
Os pescadores, utilizando uma bateira, empregavam nas suas pescarias vários instrumentos, de entre os quais as redes fixas, como a nassa e o tresmalho, e as redes móveis. A nassa, constituída por arcos e de forma cónica, era utilizada sobretudo na pesca da enguia. Os pescadores fixavam-na no fundo do rio, em locais pouco profundos e onde a água era de corrente forte. O tresmalho, por seu lado, era utilizado na apanha do peixe mais pequeno. Era composto por três panos de rede retangular sobrepostos, sendo os panos exteriores de malhagem mais larga e o do meio de malhagem mais apertada.
As redes móveis, atingindo algumas delas até cinquenta metros de comprimento, eram colocadas de modo a cercar o peixe, sendo depois arrastadas para a margem. As redes de malha mais larga eram utilizadas na pesca do sável, pois era o peixe que atingia as maiores dimensões.
António Ramusga a reparar uma rede. Coruche. 2006 (MMC)
O "Figuras" com um barbo pescado no rio Sorraia. Coruche (MMC/TF)
O RIO E OS PESCADORES
Apesar de não ter grande tradição no concelho de Coruche, a atividade piscícola sempre existiu e foi até há cerca de cinquenta anos o sustento de várias famílias não se podendo referir a existência de uma comunidade piscatória. Na vila podiam encontrar-se os Tanoeiros e os Robertos, naturais de Coruche, e os Ramusgas, vindos da Praia de Vieira.
Embora em alguns casos se dedicassem exclusivamente à pesca, havia pescadores que trabalhavam também a terra, praticavam a caça e tinham mesmo outras atividades como a tanoaria. As mulheres tornaram-se conhecidas por venderem o peixe, dando visibilidade ao vestuário fortemente marcado pelas características da Beira Litoral.
Durante o inverno as sucessivas cheias tornavam difícil a prática da pesca no rio, pelo que alguns pescadores ganhavam a vida mais com o transporte de pessoas entre as margens do que propriamente com a pesca.
O sável e a lampreia, abundantes no início do século XX, já não existem, mas é frequente verem-se os pescadores desportivos, ora aos fins de semana de cana às costas ora marcando presença em campeonatos, que passaram a fazer do Sorraia ponto de referência a nível nacional e internacional.
As pistas de pesca do rio Sorraia na frente ribeirinha de Coruche e em Santa Justa (Couço), consideradas das melhores a nível mundial, apresentam excelentes condições para a prática da pesca desportiva, fruto das características do espelho de água e da sua riqueza piscícola.
Pesca desportiva feminina no rio Sorraia, na zona das Baleias - Coruche. século XX (MMCMNC)
Pescadores colocando as nassas no rio Sorraia. Coruche. anos 1950 (MMC/HB)
ADAPTAÇÃO DE TEXTOS
Ana Paiva
TEXTOS ADAPTADOS
Galhardo, Fátima; Carvalho, José Alberto Lima; Calais, Cristina; Batalha, Luís – Vagas leves, rostos do rio: catálogo, Coruche: Câmara Municipal/Museu Municipal, 2003. Coruche Magazine n. 38, jan./fev. 2010; Coruche Magazine n. 47, jan./abr. 2012; Bento, Heraldo – O rio Sorraia e Coruche, Coruche: Câmara Municipal, 1996; Pena, António – Um roteiro natural do concelho: Coruche, Coruche: Câmara Municipal, 2002; Coruche inspira 2017